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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Amigo Gato

Quando Deus fez o mundo, Ele decidiu criar os animais e dar a cada um deles a qualidade que eles quisessem.

Todos os animais formaram uma longa fila à frente Dele e o gato foi silenciosamente para o final da fila.

Para o elefante e o urso, Ele deu força; para o coelho e o cervo, rapidez; para a coruja, a habilidade de enxergar à noite; para os pássaros e borboletas, grande beleza; para a raposa, esperteza; para o macaco, inteligência; para o cão, lealdade; para o leão, coragem; e assim por diante. E os animais haviam implorado a Deus por todas essas coisas.

Então, Ele chegou ao final da fila, e lá estava o gatinho, esperando pacientemente. "O que você vai querer?", Deus perguntou ao gato.


O gato disse, modestamente: "O que o Senhor tiver sobrando. Eu não me importo."

E o SENHOR em sua infinita sabedoria deu-lhe tudo de melhor: graça, leveza, rapidez, perspicácia, coragem, discrição, auto-estima, independência....e uma beleza incomparável!

Os animais foram imperfeitos, compridos de rabo, tristes de cabeça. Pouco a pouco foram-se compondo, fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça, vôo. O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso: nasceu completamente terminado, anda sozinho e sabe o que quer. O homem quer ser peixe e pássaro a serpente quisera ter asas, o cachorro é um leão desorientado, o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para andorinha, o poeta trata de imitar a mosca, mas o gato quer ser só gato e todo gato é gato do bigode ao rabo, do pressentimento à ratazana viva, da noite até os seus olhos de ouro.

...Não há unidade como ele, não tem a lua nem a flor tal contextura: é uma coisa só como o sol ou o topázio, e a elástica linha no seu contorno firme e sutil é como a linha da proa de uma nave. Os seus olhos amarelos deixaram uma só ranhura para jogar as moedas da noite Oh pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas, o vento do amor na intempérie reclamas quando passas e pousas quatro pés delicados no solo, cheirando, desconfiando de todo o terrestre, porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente da casa, arrogante vestígio da noite, preguiçoso, ginástico e alheio, profundíssimo gato, polícia secreta dos quartos, insígnia de um desaparecido veludo, certamente não há enigma na tua maneira, talvez não sejas mistério, todo o mundo sabe de ti e pertence ao habitante menos misterioso, talvez todos acreditem, todos se acreditem donos, proprietários, tios de gatos, companheiros, colegas, discípulos ou amigos do seu gato.

...Eu não. Eu não subscrevo. Eu não conheço o gato. Tudo sei, a vida e seu arquipélago, o mar e a cidade incalculável, a botânica, o gineceu com os seus extravios, o pôr e o menos da matemática, os funis vulcânicos do mundo, a casaca irreal do crocodilo, a bondade ignorada do bombeiro, o atavismo azul do sacerdote, mas não posso decifrar um gato. A minha razão resvalou na sua indiferença, os seus olhos tem números de ouro.

PABLO NERUDA

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